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Novos modelos de remuneração

Por:

bruno.aires

- 28/12/2021

Atualizado: bruno.aires

Novos modelos, novos caminhos e muitas dúvidas

Novos modelos de remuneração na área da Saúde vêm sendo adotados no Brasil, mas muitos médicos ainda têm dúvidas se há mesmo vantagens em mudar. Veja, a seguir, quais são esses novos modelos e os cuidados necessários para essa possível migração

Nos últimos anos, o setor da Saúde vem passando por uma transformação no Brasil quando o assunto é a remuneração dos médicos. Novos modelos vêm sendo adotados e, no mesmo compasso, muitas dúvidas estão surgindo. Afinal, essas novas formas de remuneração trazem vantagens aos médicos ou somente para as fontes pagadoras, como as operadoras de saúde?

Segundo Adriano Londres, um dos sócios-fundadores da consultoria técnica Arquitetos da Saúde, os novos modelos de remuneração ganham cada vez mais espaço pela necessidade de se gerar mais eficiência na utilização de recursos, evitando desperdícios. “As vantagens, seja para quem for ou em que modelo, devem ser pensadas sob a ótica do paciente em primeiro lugar. Alterar o modelo de remuneração precisa considerar a medição de desfechos, ou seja, o ganho de qualidade de vida para os pacientes”, explica.

O médico César Abicalaffe, mestre em Economia da Saúde, MBA em Estratégia e Gestão Empresarial e presidente do Instituto Brasileiro de Valor em Saúde (IBRAVS), explica que os novos modelos de remuneração começaram a ser pensados porque o modelo tradicional do fee-for-service estava gerando uma ineficiência no sistema. No fee-for-service, o médico é remunerado por cada atendimento ou procedimento que realiza. Quanto menos o profissional atender, menos ele recebe.

“A tendência é não precisar investir na eficiência do sistema, porque quanto mais ineficiente ele for, mais dinheiro é gerado. Se o paciente é internado mais de uma vez ou passa por nova cirurgia, a conta do hospital se multiplica por dez, muitas vezes por conta de uma ineficiência no atendimento, que leva a um desfecho inadequado. Com os novos modelos, o que a operadora quer é transferir para o prestador do serviço parte do risco que ela tem, principalmente o risco financeiro causado por um evento adverso ou uma ineficiência. Com isso, o sistema como um todo se torna mais sustentável”, explica Abicalaffe.

O presidente eleito da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV), Julio Peclat, autor do livro Honorários médicos, publicado pela DOC, conta que as operadoras de saúde alegam que o fee-for-service torna o sistema de saúde suplementar insustentável. Porém, as novas alternativas propostas, mesmo que sejam interessantes para médicos e pacientes, ainda não associam a remuneração ao desfecho clínico ou resultado.

“As operadoras propõem modelos que não são baseados em valor para o paciente, como é o caso do capitation. Muito ainda precisa ser feito para que esses novos modelos de remuneração sejam adotados de fato – e os debates requerem a participação das entidades médicas. O que não pode acontecer é uma imposição por parte das fontes pagadoras”, defende Peclat.

O que significa “CUIDADOS DE SAÚDE BASEADOS EM VALOR” (VHBC, em Inglês)? O “valor em Saúde” é um conceito, hoje, discutido em todo o mundo. Ele coloca o paciente no centro do cuidado. A proposta é construir o modelo de atenção em saúde a partir das necessidades do paciente.
Valor, na essência, significa produzir um bom desfecho para o paciente, com o mais baixo custo possível.

Mudar ou não mudar?

Para mudar seu modelo de remuneração de maneira mais vantajosa possível, Adriano Londres recomenda que o médico busque algum grau de conhecimento sobre gestão, seja diretamente ou sendo assessorado por quem entende do assunto. “O profissional deve, ainda, conhecer seus custos para, assim, avaliar os impactos de um novo modelo de remuneração, além de avaliar o potencial de volume daquela operadora. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) disponibiliza dados públicos que podem ajudá-lo”, orienta.

No entanto, o especialista ressalta que o importante é o médico construir uma relação de respeito e parceria com suas fontes pagadoras. “Caso as condições não sejam consideradas minimamente razoáveis, cabe ao médico tomar a decisão de não aceitar a continuidade daquela relação. Médico algum é obrigado a atender pacientes de operadoras de planos de saúde. Uma alternativa pode ser deixar de atender determinadas operadoras.  O médico deve sempre avaliar o custo-benefício daquilo que está sendo proposto, sobre a sua ótica de serviços éticos e de qualidade”, afirma Londres.

Um ponto que Cesar Abicalaffe ressalta como muito importante se o médico optar por migrar para um novo modelo de remuneração é que ele precisará mudar a sua prática clínica. “Os novos modelos são sempre baseados, mesmo que em parte, no pagamento pelo valor gerado ao paciente. Um ponto fundamental disso é que será necessário ao médico compartilhar os registros clínicos com as operadoras, claro, seguindo o que determina a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Hoje, o sistema de saúde não sabe o que está acontecendo, porque não há transparência. Com a mudança, o médico terá que melhorar a sua prática de registro. Isso é uma mudança de paradigma”, explica.

Segundo Julio Peclat, o que pode ajudar o médico a decidir sobre propostas de mudanças no modelo de remuneração é uma consulta a sua sociedade de especialidade, pois as entidades médicas vêm trabalhando para avaliar o que as operadoras têm proposto aos médicos. “Isso é importante porque a forma como as operadoras fazem suas propostas pode sugerir que se trata de uma enorme vantagem. O médico pode, por exemplo, ser seduzido no capitation pela ideia de receber um valor robusto, independentemente do número de atendimentos, e desconsiderar que isso pode se transformar em prejuízo, quando houver pacientes precisando de procedimentos mais complexos”, afirma.

Impacto das crises

Hoje, a saúde suplementar atende cerca de 48 milhões de beneficiários, dois milhões a menos do que em 2014. O interessante, no entanto, é que na pandemia de Covid-19, iniciado em 2020, esse número voltou a crescer, em mais de 1,5 milhão de beneficiários. Os dados mostram como o setor vem flutuando nos últimos anos, mas, para Adriano Londres, isso não é motivo de preocupação para os médicos, independentemente do modelo de remuneração adotado. “O que temos que praticar é a adoção de resultados médicos medidos de maneira isenta e técnica, compartilhando isso com as fontes pagadoras. Assim, a flutuação do mercado não atinge os médicos”, avalia Londres.

Cesar Abicalaffe também concorda que novos modelos de remuneração podem dar mais segurança aos médicos, principalmente em momentos de crise, como a causada pela pandemia, quando vários consultórios não puderam abrir as portas e muitos profissionais deixaram de atender ou operar seus pacientes. “Em momentos difíceis assim, simplesmente acaba-se a fonte de receita, porque o consultório não funciona. Conheço médicos que ficaram até um ano e meio sem poder trabalhar”, lamenta.

O médico explica como uma nova forma de pagamento poderia ajudar a situação: “Se houver uma contratualização da equipe da clínica com um novo modelo de remuneração para cuidar, por exemplo, de um paciente diabético, essa equipe acaba buscando formas de se reinventar para atender esse paciente, seja em casa ou por Telemedicina. O valor de remuneração já está definido, o que a equipe precisa fazer é mostrar que está chegando no resultado esperado. Isso minimiza o impacto das crises para os prestadores”.

Para Julio Peclat, há muito o que se debater quando o assunto são os novos modelos de remuneração. “Para nós, médicos, não há nenhuma garantia de melhor remuneração com os novos modelos. Na teoria, os modelos baseados em valor remuneram melhor pelos resultados satisfatórios, mas a falta de uma definição do que é valor nos deixa na insegurança do que será definido pelas fontes pagadoras como critério para complementar a remuneração dos prestadores a partir de resultados”, critica.

O impacto dessa indefinição tende a se refletir, principalmente, no paciente. “Novos modelos, como o capitation, podem impactar negativamente no atendimento, pois estimulam a não realização de alguns procedimentos e, ainda, desvalorizam a fidelização de pacientes aos seus médicos, por concentrar a rede em poucos prestadores. O paciente que se sente atingido pode – e deve – denunciar o problema à ANS. Ele é quem tem mais poder de denunciar e reverter a situação”, conclui Peclat.

Conheça alguns modelos de remuneração:

— Pagamento por performance
O médico continua ganhando conforme o modelo fee-for-service (recebe por atendimento ou procedimento realizado), apenas se acrescenta um percentual adicional com base no valor gerado por paciente.

— Pagamento por bundle (ou por episódio)
A remuneração é feita por um conjunto de procedimentos e intervenções realizadas por um período de tempo. O bundle cirúrgico, por exemplo, é um valor fechado por paciente, independentemente do volume de serviços – se ele for operado novamente ou for para a UTI ou se fizer fisioterapia pós-cirúrgica, o valor é o mesmo acordado. No bundle clínico, o pagamento é feito para pacientes crônicos (como diabéticos ou obesos, por exemplo) por um período, independentemente do número de atendimentos realizados. Sozinho, esse modelo não é baseado em valor. Por isso, parte das operadoras atrelam o pagamento a resultados.

— Pagamento por capitation
O pagamento é feito por uma população atendida em uma área de abrangência e uma série de serviços é negociada para esse atendimento. O valor é por vida (per capita). Sozinho, esse modelo não é baseado em valor. Por isso, parte das operadoras atrelam o pagamento a resultados.

— Pagamento por orçamento global
Modelo mais usado por hospitais, em que o pagamento é feito com base no histórico de quanto esse hospital vem cobrando da operadora. O hospital recebe um valor para prestar o serviço, independentemente do número de pacientes atendidos ou procedimentos realizados. Esse modelo, em geral, é associado a métricas de valor, para evitar queda na qualidade do atendimento se o hospital tiver um aumento de demanda.

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