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Três tendências na Medicina que chegaram para ficar

Por:

Juliana Temporal

- 28/10/2021

tendências na Medicina

Já não se faz mais Medicina como antigamente. Esse “ditado” é verdadeiro, principalmente se levarmos em consideração os avanços nas diversas áreas da Medicina, como as inovações científicas e de equipamentos. No entanto, hoje, a Medicina é praticada com outros tipos de avanços e algumas tendências que chegaram para ficar, como é o caso da proteção de dados (com a LGPD), dos novos modelos de remuneração na saúde suplementar e a incorporação da tecnologia, com o atendimento remoto (telemedicina), os registros eletrônicos (softwares de gestão e prontuários médicos), a inteligência artificial (auxílio no diagnóstico e melhora da eficiência no tratamento), a robótica (cirurgias), entre outros.

Modelos de remuneração devem considerar dois pilares importantes: o médico e o paciente

Ao longo dos últimos 20 anos, a Medicina vem sofrendo uma sequência de problemas. O subfinanciamento crônico do SUS resultou nos baixos salários oferecidos aos médicos do setor público e no congelamento da tabela SUS, que ficou anos sem nenhum reajuste. Devido a isso, trabalhar no SUS deixou de ser objetivo de grande parte da classe médica. Muitos decidiram se dedicar à saúde suplementar, mas também encontraram um cenário pouco animador. Cerca de 1/4 da população no Brasil contratou planos de saúde, o que introduziu um elemento novo no sistema: o intermediário entre médicos e pacientes. A difícil relação com as operadoras de saúde, tanto no credenciamento quanto na negociação de honorários e tabelas, tem imposto aos médicos a necessidade de trabalhar cada vez mais para conseguir manter seus compromissos.

– Nos últimos anos, observamos um movimento de algumas operadoras com o objetivo de introduzir mudanças nos modelos de remuneração dos prestadores de serviço, sob o argumento de que o pagamento por serviço (Fee For Service) premia o uso desordenado dos recursos do sistema. A ideia era substituir o pagamento por serviço pelo pagamento por desfecho clínico, remunerando melhor aqueles prestadores que conseguissem entregar um resultado mais positivo para o paciente. Apesar do discurso, na prática, a única mudança concreta foram propostas de pacotes que misturavam consultas com diversos exames complementares, com valores infinitamente menores do que a soma dos itens do pacote representaria – relatou o oftalmologista Diogo Lucena, Diretor da Sociedade Brasileira de Administração em Oftalmologia (SBAO).

De acordo com o especialista, entre inúmeros outros efeitos potencialmente ruins, a proposta dos pacotes desestimularia o investimento em novas tecnologias e premiaria o prestador que deixa de fazer a propedêutica indicada, em claro prejuízo aos pacientes. Mais recentemente, foi possível constatar as operadoras investindo na estratégia do captation, modelo em que se oferece um valor fixo para que um determinado prestador assuma todos os cuidados de um grupo de indivíduos.

– Ao restringir a rede a um único prestador, o captation limita o acesso do paciente a outros médicos fora do grupo escolhido, subtraindo seu direito de consultar a opinião de outros profissionais sobre seu quadro clínico. Acrescente-se que, ao aceitar um valor fixo sem uma previsão palpável dos serviços que precisará realizar, o prestador estará obrigado a limitar os serviços dentro dessa margem para não obter resultado negativo na atividade, o que expõe os pacientes a situação de risco de desassistência ou de terem seu tratamento postergado desnecessariamente – avaliou Diogo Lucena.

Desde 2016, quando a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) iniciou o debate sobre o as novas formas de remuneração na saúde, as entidades representativas dos médicos reconhecem a importância do tema, mas ressaltam que é preciso discutir os modelos de remuneração sem esquecer dois pilares importantes: o médico e o paciente. De modo que, a modalidade de remuneração dos prestadores de saúde não seja usada como ferramenta de redução do custo assistencial e que não influencie na qualidade do atendimento prestado ao paciente.

Mudança de paradigma na Medicina: a incorporação de tecnologias

Nas décadas passadas, a grande inovação na prática em saúde foi a progressiva inserção da dita medicina baseada em evidências nas rotinas e protocolos de todas as especialidades, tudo precisava ser medido e provado, condutas antes estabelecidas unicamente com base na experiência do profissional ou de seus mestres ganharam uma nova pedra basilar sobre a qual se firmava o raciocínio clínico. Segundo o oftalmologista Rafael Scherer, CEO da RedCheck, foi preciso, assim, aprender a compreender estas medidas, coisas como valor preditivo positivo, razão de verossimilhança, sensibilidade e especificidade passaram a fazer parte do jargão médico.

– Uma mudança de paradigma em nosso ofício agora está novamente diante de nossos olhos, a incorporação de tecnologias com inteligência artificial embarcada, sejam softwares de prontuário médico, análise de imagens, ou até mesmo dispositivos que dão suporte com certa autonomia a cirurgias. Já temos alguma familiaridade com elas ao usarmos fora do consultório, como mapas no smartphone, filtros de fotografias ou mesmo anúncios personalizados ao navegar na web – analisou.

De todo modo, continuou Rafael Scherer, fazemos o uso cotidiano destas tecnologias descontraídos e desprovidos da criticidade que devemos ter ao aplicá-las a nossos pacientes. A pandemia atual acelerou a disponibilidade de muitas destas ferramentas, algumas desenvolvidas fora do país, e pela sua simplicidade e autonomia de uso, muitas delas foram agregadas a rotinas sem que de fato compreendêssemos seus vieses e limitações1.

– Um caminho sem volta, numa profissão cada vez mais tratada como commodity, despersonalizada e levada aos extremos da maximização da eficiência financeira por grandes corporações e operadoras de saúde. Precisamos novamente ampliar o nosso vocabulário2 com os termos que nos darão a distinção, e porque não dizer, o livre-arbítrio que pode nos manter lúcidos ou até mesmo na contramão destas tendências ao passo que agregamos estas soluções ao nosso consultório – considerou.

 Referências:

1) Roberts, M., Driggs, D., Thorpe, M. et al. Common pitfalls and recommendations for using machine learning to detect and prognosticate for COVID-19 using chest radiographs and CT scans. Nat Mach Intell 3, 199–217 (2021).

2) Pro-Oftalmo – Programa de Atualização em Oftalmologia – Conselho Brasileiro de Oftalmologia Ciclo 3. Inteligência Artificial em Oftalmologia: Uma abordagem voltada para a prática clínica diária. Daniel Ferraz, Rafael Scherer, Marco A. Negreiros, Gabriella Moraes e Rubens Belford Jr. 2021.

LGPD: além dos dados pessoais, consultórios, clínicas e hospitais lidam com dados sensíveis

A LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/18) dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa física ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.

– Em linhas gerais, pode-se afirmar que a LGPD tem como objetivo conferir maior transparência à forma como são armazenados os dados pessoais e garantir que as entidades adotem estratégias e protocolos para mitigar os riscos inerentes a um possível vazamento – observou Guilherme Portes, advogado que atua na área de direito médico.

De acordo com o especialista, a LGPD atinge praticamente todos os ramos da economia, na medida em que objetiva proteger os dados pessoais de pessoas físicas, aos quais as entidades em geral necessitam ter acesso para o desempenho de suas atividades. Nesse rol, enquadram-se os consultórios, clínicas médicas e hospitais.

– No âmbito dos consultórios, clínicas médicas e hospitais, esses dados são coletados desde o primeiro contato com o paciente, passando pelo agendamento, cadastramento no sistema, prontuário e guarda das informações, para diversas finalidades, em especial o registro médico sobre o tratamento ofertado ao paciente – relatou.

Guilherme Portes ressaltou ainda que a lei promove uma diferenciação entre os chamados dados pessoais comuns e os dados pessoais sensíveis. Os dados pessoais comuns são qualquer informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável (por exemplo nome, endereço, CPF, e-mail etc.). Os dados pessoais sensíveis são aqueles relacionados à origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico.

– Os consultórios, clínicas médicas e hospitais não tratam apenas de dados pessoais comuns. Pelo contrário, tratam de dados muito sensíveis, tais como: o estado clínico, a pré-disposição a doenças, receituários e outras informações referentes à saúde do paciente. Portanto, os médicos, devem estar atentos às determinações da LGPD – enfatizou.

O consultório, continuou Guilherme Portes, deverá analisar o fluxo interno das informações e instituir medidas que demonstrem o cuidado no tratamento desses dados pessoais, como por exemplo a identificação dos colaboradores que irão receber e processar esses dados e da limitação de acesso por aqueles que não dependam desse tratamento para o exercício de suas respectivas competências. A demonstração desse cuidado no controle é importante para fins de eventual fiscalização ou defesa no caso de vazamento dos dados.

– A LGPD incentiva a criação de novos pilares de governança para que consultórios, clínicas e hospitais identifiquem as vulnerabilidades e riscos no tratamento dos dados pessoais dos pacientes e adote protocolos e ferramentas para mitigá-los. Esses protocolos e ferramentas vão desde a manipulação dos dados pessoais por profissionais como secretárias e faturistas até a implementação de softwares que garantam um padrão mínimo de segurança para reduzir os riscos de vazamentos desses dados, como por exemplo controle de acesso com senha individual, armazenamento na nuvem, criptografia, anonimização etc. – afirmou.

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