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Psiquiatria e filosofia: uma combinação que dá certo

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Universo DOC

- 13/08/2021

Entender como funciona a mente humana e seus complexos processos sempre foi motivo de fascínio para Alexandre Loch. Por causa disso, escolheu a Psiquiatria como caminho profissional. Compreender as grandes questões da humanidade era outro alvo de interesse para o médico, o que provocava constantes questionamentos acerca dos fatos que testemunhava. A leitura de obras de renomados filósofos reforçou o encanto já existente e serviu como estímulo para que o psiquiatra tomasse uma nova decisão. Para aprofundar seu conhecimento, Loch também decidiu cursar Filosofia.

Em meio a tantas atividades inerentes da Medicina, Loch é autor de diversas publicações científicas na área da Saúde Mental, possui dois romances que tratam das relações humanas, Bile Negra e Laplatia, e mantém um blog atualizado semanalmente sobre temas variados. Em entrevista ao Univverso DOC, o médico-filósofo conta um pouco mais sobre seus gostos e como harmoniza suas duas paixões: Medicina e Filosofia.

Universo DOC: O que veio primeiro em sua vida? A Medicina ou a Filosofia?

Alexandre Loch: A Medicina. Sempre quis uma profissão em que pudesse ajudar aos outros e entendia que o sofrimento mental era uma das piores formas de sofrimento. Isso me levou a cursar Medicina e, depois, Psiquiatria. Além disso, sempre tive muita curiosidade em saber como o cérebro e a mente funcionam. Já a Filosofia surgiu do desejo de entender mais o mundo. Quando alguém se propõe a tratar o lado mental de uma pessoa, diversas questões filosóficas se colocam para quem trata. Há uma divisão mente-corpo? Quais são os limites das medicações e de psicoterapia? Como também sou acadêmico, a Ciência impõe diversas questões de cunho filosófico que me instigaram a fazer o curso de Filosofia.

UD: Quando foi seu primeiro contato com a Filosofia e quais assuntos mais te interessam na área?

AL: Foi durante a faculdade de Medicina, ao me deparar com a relação médico-paciente. É uma relação muito delicada, que nos leva a pensar uma série de coisas. Nós, médicos, temos uma profissão muito peculiar e devemos ter cuidado para exercê-la da melhor forma possível. O que mais me chama atenção dentro da Filosofia são assuntos como Fenomenologia, Filosofia da Mente e Filosofia da Ciência. São áreas de intersecção entre Filosofia, Medicina e Psiquiatria.

UD: Pode citar um exemplo de como esses campos se entrelaçam?

AL: A Filosofia da Mente, por exemplo, estuda como devemos conceber a mente do mundo de hoje, quando já sabemos tantas coisas sobre o cérebro. Nessa perspectiva, o que se coloca é uma ideia monista, de que a mente está inserida (inseparavelmente) no corpo, como se fossem uma coisa só.

UD: Como consegue conciliar as duas atividades?

AL: Trabalho, basicamente, no consultório e no Hospital das Clínicas da USP como supervisor e coordenando pesquisas. Não são atividades não implicadas umas com as outras. Todas, em conjunto, fazem sentido em minha vida, que é o entendimento do ser humano, seja em seu aspecto filosófico-existencial, seja em seu aspecto biológico. Procuro sempre integrar esses conhecimentos em minhas práticas, levando conceitos da Biologia para a Psicologia e Filosofia e vice-versa.

UD: Quem são suas principais inspirações na Filosofia?

AL: Gosto bastante de Nietzche, por abordar as emoções humanas e muitas verdades sobre elas; de Sartre, que traz à tona questões existenciais muito importantes para quem utiliza psicoterapia na prática clínica; e de Deleuze, um filósofo mais recente, autor de várias contribuições que muito têm a ver com a Psiquiatria (vide seus trabalhos com Guatarri). Gosto também de Heidegger e seus escritos sobre a arte.

UD: De modo geral, quais benefícios o senhor acredita que a Filosofia traz para a saúde mental do ser humano?

AL: A Filosofia é um instrumento que possibilita uma reflexão mais apurada sobre as questões ao nosso redor. Acho que refletir sobre nosso mundo, a sociedade, a condição humana e sobre nós mesmos faz bem para a saúde mental. Eu indicaria o estudo da Filosofia para outras pessoas, inclusive médicos. Acho que esse profissional, por lidar com o ser humano em momentos difíceis, precisa ter algum conhecimento de filosofia. Para isso é preciso ser dedicado, apto para reflexão e abstração e ter vontade de ler.

UD: Seus pacientes sabem que o senhor também é filósofo? Se sim, como reagem?

AL: Muitos sabem, pois acabam vendo meu currículo na internet. Eles reagem sempre de forma positiva, me perguntando como é o curso, se eu já me formei etc. Como cuido de muitas pessoas que também cursaram a faculdade de Filosofia da USP, e outros cursos de Humanas em outras faculdades, às vezes, temos diálogos mais demorados sobre assuntos filosóficos que eles viram na graduação.

UD: Como surgiu a ideia de lançar o livro Bile Negra?

AL: O livro nasceu depois que eu defendi meu doutorado sobre o estigma atrelado às doenças mentais. Após a elaboração da tese, em que usei uma linguagem científica precisa e, muitas vezes, amarrada, achei que precisava escrever algo sobre saúde mental de maneira mais solta, livre, artística. Aí nasceu a ideia de escrever. Eu quis colocar no papel as vivências que tive na Psiquiatria e elaborar uma história para ser publicada. Desde então, o retorno sobre o livro tem sido muito bom. É muito gratificante poder ouvir críticas boas sobre algo que você compôs. As pessoas têm gostado bastante da leitura e têm se identificado muito com a voz dos personagens.

UD: O senhor tem planos de publicar novos livros?

AL: Tenho ideias, sim, mas, por enquanto, estou focado na divulgação do meu segundo romance, escrito em inglês, chamado Laplatia – or, the city that could not dream. O livro é uma distopia sobre uma cidade no futuro, onde as pessoas têm de doar imaginações e sonhos para que estes sejam transformados em eletricidade. Assim, ninguém é autorizado a imaginar ou sonhar livremente.

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