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Especial Semana do Médico – Drauzio Varella

Por:

Thais Novais

- 18/03/2021

drauzio varella

“O pior dos infernos está reservado para aqueles que, em momentos de crise, se omitem”. Essa frase, adaptada da obra A divina comédia, do poeta italiano Dante Alighieri, foi o pontapé inicial da vida pública de Drauzio Varella. Em 1985, quando participou de um congresso sobre Aids, na Suécia, se deparou com a citação, apresentada pelo coordenador do Programa de Aids da Organização Mundial da Saúde (OMS), no encerramento de sua palestra. A partir daí, percebeu que precisava fazer algo para disseminar informações sobre uma doença pouco conhecida por todos. Escreveu um artigo para o jornal O Estado de São Paulo, superou o próprio preconceito para estar na mídia e, desde então, não saiu mais.

Hoje, com 47 anos de profissão, o médico é popularmente conhecido em todos os cantos do país pelas ações que realiza através da televisão para promover a saúde e a educação do paciente. Tendo que se dividir entre a clínica médica, o hospital, a televisão e a penitenciária, o profissional se considera privilegiado por ter a oportunidade de fazer apenas coisas que lhe dão prazer. Drauzio diz não se arrepender de nenhuma escolha tomada na vida e que seu único plano é continuar fazendo o que faz hoje, cada vez melhor.

A escolha pela Medicina

De acordo com Drauzio, não há como lembrar em que momento a Medicina apareceu, mas segundo seu pai, desde menino, quando perguntado sobre o que gostaria de ser quando crescesse, a resposta já vinha na ponta da língua: “médico”. Aprovado em segundo lugar no vestibular de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Drauzio afirma que nunca passou pela cabeça ser outra coisa, nem que pudesse em algum momento de sua vida deixar de ser médico.

Convicção pela profissão Drauzio  tinha – e muita. Entretanto, dentro da Medicina, ainda se sentia um pouco perdido sobre a especialidade pela qual optaria. “Quando me formei, fiz um ano de residência em saúde pública, mas estava achando o curso muito teórico. Eu queria trabalhar, sair de São Paulo para conhecer outros lugares. A carreira de sanitarista estava sendo legalizada no estado e o salário ainda era pouco. Não havia condições de sobrevivência”, conta.

Foi em uma conversa com o professor Vicente Amato Neto que conheceu sua paixão. O professor de Doenças Infecciosas o convidou para trabalhar com sua equipe. Drauzio aceitou a proposta e foi fazer um estágio no Hospital do Servidor Público, em São Paulo. Lá, aprendeu Imunologia e se aprofundou em doenças infecciosas. “Naquela época, no começo da década de 1970, a Imunologia estava ensaiando os primeiros passos. Com a minha experiência no assunto, fui convidado por um colega a dar uma aula no Hospital do Câncer. Quando terminei, me pediram para auxiliá-los, pois as pessoas não entendiam nada de Imunologia. Aceitei a proposta, mas disse que poderia ir uma vez por semana, como voluntário. Acabei me apaixonando pela Oncologia”, declara.

Pioneiro no tratamento da Aids

Os primeiros casos de Aids no Brasil apareceram na década de 1980. Sem muita informação, e com os primeiros casos detectados na população homossexual, a doença logo foi tratada como “peste gay”. Por curiosidade, Drauzio começou a ler revistas em que eram relatados os primeiros casos de Aids nos Estados Unidos. Era uma doença nova que tinha as características que o médico mais se interessava em estudar: um agente viral – até então desconhecido –, déficit imunológico e câncer.

Para saber mais sobre a patologia, em 1983, Drauzio viajou para Nova Iorque, lugar considerado o epicentro da epidemia americana, onde fez um estágio no Memorial Hospital, uma das maiores instituições de saúde no tratamento do câncer nos Estados Unidos. Trabalhando na área de Imunologia, e estudando principalmente o sarcoma de Kaposi, um tipo de câncer raro do tecido conjuntivo que com frequência é associado à Aids, o médico pôde conhecer mais intensamente a doença.

“Quando voltei para o Brasil, tinha a ideia clara de que uma tragédia estava prestes a acontecer. Sabia que a patologia chegaria ao nosso país e, embora fosse tratada como exclusividade homossexual, não há doença sexualmente transmissível que poupe um dos sexos. Não seria essa a primeira. Como eu era o único oncologista que sabia tratar o sarcoma de Kaposi, os outros não tinham essa experiência, comecei a receber todos os casos da doença e acabei envolvido totalmente pelo problema”, explica.

A chegada aos presídios

A penitenciária é um lugar pouco conhecido por grande parte da população, que só recebe informações por meio do que a mídia publica. Talvez esse seja um dos motivos responsáveis por gerar uma enorme curiosidade e simpatia por filmes de prisão. Com Drauzio Varella, não foi diferente: o médico relembra que sempre se interessou por esse gênero. Até hoje, quando descobre que está passando um filme desses no cinema, profissional tira alguns minutos de seu tempo para assistir.

Entretanto, sua história com as penitenciárias começou por uma casualidade do destino. Procurado pela empresária Maria Odete Brandalise para fazer um vídeo informativo sobre a Aids, Drauzio aceitou a proposta, mas com a condição de que pudesse mostrar como o vírus estava se disseminando pela cidade. Sua ideia era colocar no vídeo o que estava acontecendo com os travestis que fazem ponto nas ruas, com as meninas de programa e com as pessoas em geral. E o presídio era um ponto forte para o médico, porque lá estavam os usuários de droga injetável. Com uma autorização em mãos, Drauzio conseguir gravar no local.

“Quando sai de lá, passei duas semanas só pensando na cadeia. E, se era uma coisa tão forte pra mim, precisava chegar mais perto. Decidi falar com o diretor. Ele me disse que não adiantaria, pois as pessoas que injetavam não parariam, pois não tinham nada a perder. Contestei: disse que eles tinham a vida para perder. E o pior de tudo é que os presos recebiam visitas íntimas na penitenciária. Essas meninas contraíam o vírus e levavam embora sem nenhuma orientação. Era uma irresponsabilidade”, relata.

Com esse discurso, Drauzio conseguiu tocar o diretor da Casa de Detenção do Carandiru. Sua intenção era testar os presos que recebiam visitas íntimas para saber qual era a prevalência do vírus entre eles e, a partir daí, apresentar uma proposta para o Estado sobre o que poderia ser feito. Só havia um problema: o diretor deu a autorização, mas o médico não tinha nenhuma estrutura para realizar os testes. Eram 1.492 presos que recebiam visitas íntimas e precisariam ser testados.

“Corri atrás e consegui doações para realizar os testes. Escolhi alguns presos que tinham sido usuários de droga injetável e perguntei se sabiam pegar veias. Eles aceitaram e colhemos o sangue dos 1.492 presos. Destes, 17,3% estavam infectados. Levei essas amostras para o laboratório de Retrovirologia da Cleveland Clinic, nos Estados Unidos, para estudo”, conta.

Mas o médico queria mais. Para ele, era necessário fazer um programa educativo. “Acertei com o diretor e decidimos usar o cinema que estava abandonado após uma rebelião para fazer a palestra. Consegui com a Universidade Paulista (Unip) alguns equipamentos, como telão, som, microfone etc. Eu fazia a palestra, mostrava alguns vídeos e depois andava entre eles respondendo perguntas. Isso foi feito por mais de dez anos na detenção, toda sexta-feira”, recorda. O trabalho gerou uma conquista: “Acho que a coisa mais interessante que conseguimos na cadeia foi acabar com a droga injetável. Ninguém mais injetava. Substituíram pelo crack, mas, pelo menos, ninguém injetava”, afirma.

De 1989 até 2002, ano em que o Carandiru foi desativado, Drauzio prestava serviços no local como médico voluntário, o que lhe rendeu o best-seller Estação Carandiru, livro premiado narrando sua experiência no local e que depois ganhou as telas do cinema. Hoje, todas as segundas-feiras, o médico realiza o mesmo trabalho na Penitenciária Feminina do Estado de São Paulo.

O médico na mídia

Quem vê Drauzio Varella aos domingos, em seus quadros que são recordes de audiência no Fantástico, falando com total desenvoltura frente às câmeras, não imagina o que o médico precisou driblar para estar ali: o próprio preconceito. Para ele, médico sério não fazia esse tipo de coisa. “Em 1985, quando assisti a um congresso sobre Aids, na Suécia, me deparei com a frase: ‘O pior dos infernos está reservado para aqueles que, em momentos de crise, se omitem’, do poeta Dante Alighieri. Fiquei com aquilo na cabeça e, quando voltei para São Paulo, decidi escrever um artigo para o jornal explicando o que era a doença, que naquele tempo era conhecida como ‘peste gay’. As pessoas achavam que só quem era gay pegava. Se você não fosse, não precisaria se preocupar. Meu artigo foi publico em uma edição de domingo, uma página inteira no final do primeiro caderno, com chamada na capa e tudo mais”, conta.

Para Drauzio, o problema estava resolvido, mas para a imprensa, era só o começo. Desde então, todas as vezes que os jornalistas precisavam de alguém para falar sobre Aids, o médico era o escolhido. Ele aceitava explicar, mas com uma
condição: que não fossem vinculadas a ele as reportagens. Sua consultoria para os repórteres era sempre em off. Em 1986, o jornalista Fernando Vieira de Melo, da Jovem Pan, seu amigo pessoal, fez um convite: que ele desse uma entrevista na rádio sobre a Aids.

“Aceitei o convite do Fernando e dei uma entrevista longa para a repórter Maria Elisa. Dois meses depois, encontrei com um amigo na rua que disse ter me ouvido no dia anterior na Jovem Pan. Achei estranho e questionei, pois havia dado a entrevista há bastante tempo. Ele garantiu ter ouvido uma entrevista minha, bem curta, para essa nesta rádio. Fui rapidamente procurar o Fernando, que me explicou que havia separado a entrevista em pequenos fragmentos e estava rodando na programação aos poucos. Falei que ele não podia fazer uma coisa dessas sem me perguntar. Ele respondeu que, se tivesse pedido, eu não teria aceitado”, narra.

E não teria aceitado mesmo, afirma Drauzio. “Médico sério não fazia esse tipo de coisa. Mas Fernando disse que achava totalmente o contrário: um médico sério, nessa hora, podia fazer a diferença. E ainda sugeriu que eu deveria fazer mensagens assim, curtas e diretas. Eu aceitei escrever, mas não as leria no ar. Ele rapidamente contestou: disse que eu deveria ler e ainda dizer ‘aqui é o Drauzio Varella’. Neguei, falando que não faria de jeito nenhum. Seria o fim da minha carreira. Me formei na USP, não tinha cabimento. Só que fiquei com essa coisa na cabeça. Depois de uns dias, resolvi aceitar. O pessoal criticava muito na época. Havia muita oposição. Mas eu recebia muito retorno das ruas”, explica.

Quando perguntado sobre a importância desses veículos de comunicação para a promoção da saúde e educação do paciente, Drauzio é categórico. “Existe a ideia que a televisão não faça esse tipo de programa porque não tem interesse. Com a experiência que tenho nesse veículo, digo que não é verdade. O desejo de todo jornalista é transmitir uma informação de qualidade que tenha audiência. O problema é que não é fácil fazer isso sem que fique insuportável. Por exemplo: você dá espaço para um médico na TV ou na rádio, e ele fala com aquela linguagem cifrada que ninguém entende. A audiência cai e o emprego de todo mundo fica ameaçado. Você precisa encontrar uma forma de levar a informação sem provocar essa queda na audiência. Assim funciona”, esclarece.

Quase sempre responsável pelos picos de audiência no Fantástico, Drauzio ficou conhecido popularmente no programa por seu jeito especial de levar a informação. O médico encontrou uma forma de passar orientações para o público leigo sem perder o foco científico. “Fui professor de cursos pré-vestibular por muito tempo. Acho que esses anos todos me deram um treinamento muito grande nessa área. O Objetivo chegou a ter 25 turmas de Medicina, de 400 alunos cada. Eram 10 mil alunos e eu dava a mesma aula 25 vezes por semana. E aí você acaba desenvolvendo um jeito de explicar. Testa para ver o que dá certo e o que dá errado. E quando comecei a trabalhar na televisão, já tinha isso com muita clareza. O desafio da televisão é você falar com as pessoas mais simples, de um modo que elas entendam, com uma linguagem clara, mas que não ofenda quem tem mais cultura, com uma informação em um nível de escolaridade melhor. É um desafio. Não digo que eu saiba fazer, mas sinto que à medida que o tempo passa, vou ficando melhor”, declara.

Na Globo, Drauzio participou de vários quadros para a promoção da saúde, abordando o corpo humano, os primeiros socorros, o combate ao tabagismo, a gravidez, o câncer de mama, o transplante de órgãos e o controle de peso. “Acho que a coisa que eu mais me orgulho de ter feito foi o combate ao fumo. Fiz duas séries na televisão e a Globo tem um alcance enorme. Encontro na rua com pessoas de todos os tipos, de diferentes classes, que me dizem terem parado de fumar assistindo ao meu quadro. Elas dizem que, quando mostrei aquele pulmão na TV, pararam naquele dia mesmo. Não temos estatísticas exatas, mas são centenas de milhares de pessoas atingidas, com certeza. Não só por mim, lógico, mas por muitos médicos que falam, discutem e divulgam o assunto. Com isso, conseguimos essa virada no Brasil. Hoje, acima dos 15 anos, o percentual de fumantes no Brasil é menor do que nos Estados Unidos. E, na Europa, todos os países ‘fumam’ mais que o Brasil, com exceção apenas da Suécia”, afirma.

Educação do paciente como item fundamental

Envolvimento e explicação: essas são as chaves, segundo Drauzio Varella, para conseguir resultados de sucesso com seus pacientes. De acordo com o médico, não há uma norma única para lidar com os doentes. As pessoas e as condições físicas são diferentes; as patologias são distintas. “Se você encontra uma pessoa de 35 anos com câncer de mama é um tipo de problema, de impacto na vida pessoal e profissional. Se você pega uma senhora de 80 anos que teve um câncer de intestino, é outra história. Não existe uma regra clara. Acho que na Medicina de modo geral, mas na Oncologia, em particular, é preciso ter empatia, é necessário se colocar no lugar do outro”, defende.

Para Drauzio, alguns médicos, principalmente nos Estados Unidos, estão preocupados demais com a parte técnica e deixam de lado o emocional. “Você está focado na parte técnica, mas precisa fazer um esforço para pensar em como reagiria se estivesse naquele lugar. Como seria se aquilo estivesse acontecendo com uma pessoa querida para você, como sua irmã, sua filha ou seu pai, por exemplo. Acho que isso é absolutamente fundamental. Não acredito em Medicina bem feita sem envolvimento. Vejo isso nos Estados Unidos com muita frequência: grandes médicos que publicam, escrevem na literatura, pessoas de alto conhecimento, mas que são péssimos médicos, porque criam uma barreira com o doente, um distanciamento”, explica. Para auxiliar na educação do paciente e aumentar a adesão ao tratamento, Drauzio é enfático: “É preciso explicar”. De acordo com ele, o médico precisa dar ao indivíduo uma ideia clara do que ele tem. A melhor maneira para isso é explicar de forma didática, como se estivesse realmente ensinando. “Em geral, os médicos se defendem com uma linguagem que é inacessível para a população. A preocupação dele não é ensinar o outro, e sim dizer que se deve fazer daquela maneira porque ele acredita nisso. Se o paciente não entende direito, a comunicação fica falha. Por exemplo: vou medir a pressão de um doente aqui e dá 16 por 10. Eu digo que ele está com pressão alta e ele retruca dizendo que toma remédio para isso. Quando vou saber a história, trata-se de um medicamento usado há muitos anos. Pergunto se ele controla a pressão e ele nega. O doente acha que, tomando o remédio, a pressão estará controlada. Não foi explicado para ele que eu dou esse medicamento para 100 pessoas e dessas 70 responderão ao tratamento e 30 não. E que nesses casos negativos, precisamos mudar o esquema e ele precisa voltar ao médico periodicamente. Essa conversa pode levar três minutos. São três minutos que podem simplificar uma vida depois. Se você não dá para a pessoa uma noção do que ela tem, ela não aprenderá isso na internet”, alerta.

Para Drauzio, o médico precisa ser um professor, pois detém um conhecimento inacessível àqueles que não fizeram Medicina. “A função da Medicina é o médico explicar quais são as opções. Antigamente, você chegava em um consultório com dor de garganta e os médicos lhe receitavam determinado medicamento. Você não podia nem  perguntar por medo. Isso é uma visão equivocada da Medicina. Essa não é a função do médico”, analisa.

Quando questionado sobre uma situação, em seus 47 anos de carreira, que o deixa orgulhoso, Drauzio fica pensativo. “É muito difícil dizer isso. Eu admiro muito os médicos prepotentes. A Medicina é uma lição de humildade permanente. Às vezes você está se achando o máximo porque resolveu um caso lindamente. Passou na mão de dez pessoas e ninguém percebeu o que você viu, e o doente ficou ótimo. De repente vem outro igual àquele, você age exatamente da mesma forma e dá tudo errado. E isso lhe dá uma lição de humildade. Por isso, acho que esses caras prepotentes devem ter um ego superior ao meu. Acho muito difícil o médico ter essa autoestima elevada”, afirma.

O cenário da Medicina

A saúde no Brasil, de modo geral, tem sido tema de grandes debates nos últimos anos. Com o objetivo de tentar melhorar essa área, o Governo tem adotado métodos que geraram discussões entre a classe médica. Para Drauzio Varella, o cenário atual da Medicina brasileira é uma questão de altíssima complexidade. Vivemos hoje dois problemas: de um lado temos o Sistema Único de Saúde (SUS) e do outro, a Medicina privada, que envolve a saúde suplementar e o tratamento particular.

“Quando nos referimos ao SUS no Brasil, falamos com extremo desrespeito. A mídia, em parte, é responsável por isso. Quando se fala em SUS você logo pensa em maca nos corredores, gente deitada no chão, porque só isso é noticiado. Darei um exemplo: quando eu tinha 7 anos, acordei com o olho inchado e meu pai me levou ao pediatra. Foi a primeira vez que fui ao médico. Isso porque eu morava no Brás, a apenas 20 minutos a pé da Praça da Sé. Quando voltei para casa, as crianças pararam o futebol e vieram falar comigo. Queriam saber se era verdade que os médicos davam aquelas injeções enormes. Nenhuma daquelas crianças tinha pediatra, nem eu. O Brasil era um país rural em 1950: 70% da população viva no campo. E, se não davam saúde para quem morava próximo aos hospitais, imagina o que era saúde no campo. Hoje, em qualquer cidade brasileira, por mais humilde que uma pessoa seja, seus filhos têm pediatra, tomam vacina e são atendidos. Pode levar cinco horas, pode ter gente por tudo que é lado, mas ela acaba sendo atendida”, expõe.

Drauzio explica que, naquela época, o Brasil tinha 50 milhões de habitantes e hoje esse número já passou para 200 milhões. Porém, mesmo com um total de habitantes quatro vezes maior, se conseguiu montar uma estrutura que atendesse o país inteiro. “A estrutura é cheia de problemas, falta dinheiro e gerenciamento, mas temos focos de excelência. Por exemplo: temos o maior programa de vacinação gratuita do mundo. Ninguém tem isso como nós. Porém, o maior programa de transplantes de órgãos gratuito do mundo. Nos Estados Unidos, se você precisar de um transplante de rim, ou você ou o seu seguro terá que pagar por isso. Aqui, você se inscreve, entra na fila e é operado de acordo com a ordem de chegada. Você pode estar na frente até de um milionário. Temos também centros de excelência em Cardiologia espalhados pelo país inteiro. País nenhum no mundo, com mais de 100 milhões de habitantes, ousou colocar na Constituição que saúde é um dever do Estado”, informa.

Além disso, segundo o médico, quando as pessoas querem fazer comparação de saúde, confrontam o Brasil com países como Dinamarca, Alemanha e Inglaterra, entre outros. Entretanto, são países com número de habitantes muito inferior ao nosso. “É muito difícil dar saúde gratuita para 200 milhões de pessoas. Reconheço que temos um gerenciamento de péssima qualidade no SUS e recursos insuficientes. Mas uma coisa acaba ligada à outra, porque não tem como colocar recurso em uma coisa mal organizada”, esclarece.

Outro grande impasse, para Drauzio, está na saúde suplementar. O médico ressalta que nessa área existem grandes mal entendidos. “Quem assina um plano de saúde acredita ter direito a tudo. As pessoas não se preocupam em ler o contrato e o vendedor também não esclarece. E aí, quando o plano de saúde nega alguma coisa, é aquela confusão. A população tem a ideia de que os planos de saúde nadam em dinheiro e que, na hora em que você precisa, o atendimento é negado. Não estou dizendo que sejam santos, longe disso. Mas só para se ter uma ideia, a média de rentabilidade de um plano de saúde é de 3% e, em 2013, foi apenas de 2%”, detalha.

Segundo o oncologista, um dos motivos dos problemas com as operadoras de saúde é que a população está envelhecendo cada vez mais. A faixa etária que mais cresce hoje no Brasil é aquela acima dos 60 anos e, quanto mais velho você fica, mais utiliza o plano. Outro problema é que os planos não fazem ações para prevenção. “As operadoras de saúde ganharam muito dinheiro na época da inflação. Elas recebiam sempre a sua mensalidade e não se preocupavam com o custo da Medicina. Desde quando acabou a inflação no Brasil, não surgiu nenhuma operadora de saúde. Quem vai se interessar por um negócio em que o lucro varia de 2% a 3%? Ou esse sistema se rearticula ou ele vai quebrar”, alerta. Os médicos também precisam repensar sua postura, defende o especialista. “Outro problema é a má remuneração dos médicos pelas operadoras de saúde. Como eles ganham mal, ficam com raiva dos planos. Então, um paciente chega com dor de cabeça e o médico logo pede uma tomografia. Ele não se preocupa em saber como é a dor de cabeça. É mais fácil pedir exames. Então, os planos economizam o que pagam com os médicos, mas gastam com os laboratórios. Aconteceu uma grande mudança nos laboratórios e serviços de imagem nos últimos dez anos. Era apenas uma ‘portinha’ e agora, de repente, você passa lá e já está ocupando um prédio inteiro. Isso foi causado pelos próprios médicos”, analisa. Segundo ele, esse cenário precisa mudar. “Ou nesse campo haverá uma renegociação, uma discussão e um consenso que levem em conta a saúde preventiva, o interesse dos profissionais e o interesse do usuário, ou esse sistema vai decretar falência. Imagina o que vai acontecer se os 50 milhões de usuários ou uma parte deles forem jogados no SUS, um sistema que já se encontra sobrecarregado”, analisa.

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