[__]

Histórias com final feliz e que (ainda bem) se repetem

Por:

Guilherme Sargentelli

- 18/01/2021

final feliz

O ano era 1994. Eu estava conversando no estar médico do serviço de Pediatria no qual fazia residência médica quando subitamente fomos avisados – a minha preceptora e eu – sobre a chegada de um paciente muito grave em nossa unidade. Era um paciente com anemia falciforme, que sofrera um traumatismo craniano em seu colégio e mostrava-se inconsciente.

A tomografia de crânio revelou um importante sangramento, que necessitou drenagem neurocirúrgica. Entretanto, a evolução do paciente nos dias subsequentes foi sempre com estado geral muito crítico, ficando mais de 30 dias na UTI, sob ventilação mecânica e com toda a complexidade de suporte que o caso exigia. Depois de uma dedicação e competência das equipes que o acompanharam e da presença e cooperativa de uma família amorosa, o paciente evoluiu bem e recebeu alta após dois meses.

Nesse período, meus olhos, meu coração e meu aprendizado acompanharam os movimentos positivos de uma excelente profissional médica. Com sua atitude, ela ajudou aquele paciente e sua família a não interromperem precocemente uma história de vida. Embora sempre tenha reconhecido que vitórias em saúde são resultados de trabalho em equipe, ali aprendi muito com o conhecimento e a postura daquela profissional. Isso sedimentou em mim o valor de um preceptor frente a seus residentes.

Viagem no tempo

Chegamos em 2014. Quinta-feira, noite de chuva, pouco movimento na emergência do hospital público em que trabalho como pediatra e que sou preceptor dos residentes de Pediatria. O residente e eu discutíamos o caso de um paciente, quando o alto-falante chamou a equipe de Pediatria no setor que chamamos de politrauma. Chegando lá, encontramos um paciente de 8 anos muito grave, vítima de um acidente de carro, que necessitava intubação e colocação em prótese ventilatória.

A evolução foi terrível, com o paciente mantendo-se instável hemodinamicamente por todo o tempo e apresentando algumas paradas cardiorrespiratórias. Por isso, tal evolução exigiu de nós conhecimento, dedicação e muita transpiração para manter o paciente vivo. Em nosso hospital, não havia UTI pediátrica e permanecemos até a chegada da ambulância que o removeu para uma UTI de outra unidade. A recompensa veio após uma semana, quando soubemos que o paciente resistiu e mostrava-se estável e com risco menor a sua vida.

Durante nosso tempo de assistência ao paciente, observei nos olhos de meu amigo residente a expectativa que ele tinha em mim em não falharmos com aquela criança, o que em última análise é o foco de nossa profissão. Lembrei-me de 1994 e refleti como, 20 anos após, assumimos novas posições na vida e revezamos as condições de aluno e professor, seja qual for a situação.

A residência médica é um momento ímpar da formação profissional do médico. Ela merece não só o olhar atento do jovem médico como das entidades envolvidas em sua responsabilidade. Um ótimo funcionamento desse período da formação interessa a todos os atores dessa história: os serviços dos hospitais que possuem residência médica dependem desses profissionais para funcionarem. A população depende desse atendimento e os próprios médicos precisam dessa fase de aprendizado. Todos que trabalham em saúde devem comprometer-se com essa bandeira.