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O poder da oratória na Medicina

Por:

Andre Klojda

- 10/01/2020

Quando pensamos em oratória, é comum que, para muitos, a lembrança de estadistas, grandes empresários e outros líderes venha à mente – ou mesmo do famoso discurso de Charlie Chaplin, no clássico filme O grande ditador. No entanto, ao contrário do que pode parecer a partir dessas evocações, a oratória é algo que está muito mais próximo da realidade do nosso dia a dia, inclusive na prática médica. “O principal da oratória é fazer com que o outro entenda exatamente o que você gostaria que ele entendesse. É um equilíbrio entre forma e conteúdo”, define Guilherme Miziara, especialista em Comunicação Empresarial.

Ao abordar a questão com foco no público médico, Miziara destaca dois pontos: a confiança e a fidelização do paciente. “Se confio no médico, confio no que ele vai passar para mim, no que vai receitar, conduzir, nos procedimentos que vai adotar. A oratória facilita o aspecto da confiança”, ensina, enfatizando que “antes de comprar qualquer ideia, compra-se o orador, quem comunica”. É necessário ter em mente que, hoje, fidelizar é mais barato do que buscar novos pacientes – e proporcionar uma experiência de consulta da qual a pessoa saia compreendendo aquilo que foi passado faz parte do processo de conquista. O especialista argumenta que, por vezes, um profissional, mesmo com menos domínio do conteúdo, consegue apresentá-lo de uma forma melhor e fidelizar o paciente: “Há jargões e siglas, por exemplo, que muitas vezes o paciente não conhece e fica com vergonha de perguntar. Se ele não entender, pode ir a outro médico que facilite a comunicação”. O ideal é uma explicação objetiva, sutil e em termos simples.

Para explicar essa dificuldade, Miziara evoca o já difundido termo “maldição do conhecimento”, isto é, ao conhecer a fundo um tema, perder a noção daquilo que é básico. “O médico, por estudar muito, pela necessidade de estar sempre atualizado, acaba tratando o assunto como se fosse a coisa mais comum, e o paciente não entende e não consegue executar o que o médico gostaria”, explica.

Na mesma linha, a dermatologista Fabiana Wanick comenta que, por causa de elementos como os nomes das doenças, os fatores etiológicos etc., médicos “falam uma linguagem própria e específica”. “Dá para falar de coisas complicadas de um modo mais simples, e precisamos estar atentos a isso: é fundamental que o paciente entenda tudo o que precisa a respeito da doença que está apresentando ou dos tratamentos que deve fazer. Pacientes mais seguros, por terem entendido tudo que o médico explicou, ficam mais tranquilos e efetuam o tratamento corretamente”, sustenta.

Em sua experiência pessoal, a médica revela fazer uso de expressões mais correntes, a fim de facilitar a comunicação: “No meu caso, como sou dermatologista, posso dizer que a paciente possui uma ‘mancha escura’ em vez de usar o termo técnico correto, que seria ‘mácula hipercrômica’”.

Boa comunicação: uma preocupação atual

Miziara afirma ser pecepctível, atualmente, a preocupação dos médicos em fazer uma comunicação mais efetiva. Ele relata que essa tem sido uma busca constante, uma vez que, como já explicado, ao fazer com que o paciente compreenda melhor a consulta e saia mais satisfeito, o próprio médico tem um retorno. “Assim, ele fideliza mais gente e tem seu trabalho reconhecido, que é o grande ponto”, reforça. Além disso, muitos médicos também fazem as vezes de palestrantes em congressos e em outros eventos, o que exige um domínio da oratória, ainda que de uma perspectiva distinta.

Fabiana reconhece a diferença das duas abordagens. Apesar de relatar sempre ter tido boa habilidade para comunicar-se com seus pacientes, nos últimos anos ela tem ministrado aulas, palestras e pequenos cursos, e defende que a realização de uma excelente apresentação não pode ser levada a cabo usando tão somente a intuição. “É preciso muito preparo. Eu sinto que não nasci para fazer isso espontaneamente, e precisei procurar ajuda para ficar mais tranquila e me sentir mais segura – ao menos para saber se estava no caminho certo e fazendo minhas apresentações corretamente”, conta a dermatologista, que foi aluna de Miziara.

Além da importância da boa comunicação no contato com o paciente, muitos médicos também se veem, constantemente, em situações nas quais devem empregar suas habilidades comunicativas em palestras, aulas e congressos. David Tomlinson, apresentador e treinador em habilidades de comunicação britânico, observa que, no geral, os médicos não recebem treinamento adequado quanto à maneira de apresentar-se nessas ocasiões. “O foco tem sido, e ainda é, no conteúdo, e muito menos na forma de apresentar”, avalia. Segundo Tomlinson, é necessário considerar os seguintes pontos:

  • Aprender a usar o PowerPoint mais efetivamente;
  • Entender que gráficos e diagramas complicados precisam ser mostrados em pedaços “mastigados”. Quando é muito carregado, as pessoas podem ler o que quiserem e, comumente, leem antes do palestrante e esperam pelo próximo slide;
  • Evitar ler o slide e dar preferência a adicionar informação ao que está sendo mostrado;
  • Como apoio, o PowerPoint é ideal para mostrar o que não pode ser dito.

 

 

Melhorar a comunicação é pauta internacional

Atual presidente da Canadian Medical Association (CMA), Granger Avery acredita que um dos maiores desafios na busca por uma boa comunicação é a quantidade de tempo que o médico tem à disposição para criar uma relação de confiança com seu paciente. Muitas vezes, esse tempo não é suficiente para cobrir todas as questões do paciente e ainda a parte de relacionamento. Ele enfatiza a importância de o médico escutar o paciente, e o paciente escutar o médico. “Não podemos ser médicos sem a ciência médica, mas nós também não podemos ser médicos eficientes sem ter uma relação forte e confiante com o paciente. Essas duas coisas andam juntas”, aconselha.

Para que os médicos compreendam como a boa comunicação com os pacientes é crucial, Avery relata que esse é um aspecto especificamente reconhecido e ensinado nas escolas médicas do país, “particularmente em Family Practice e em General Practice”. “A boa comunicação entre o médico e o paciente é de importância fundamental, porque, se não tivermos isso, todo o resto não funcionará tão bem”, conclui o presidente da CMA. A entidade também apoia e promove iniciativas que auxiliam nessa empreitada, como o Choosing Wisely e o Physician Leadership Institute (PLI), como segue:

Choosing Wisely – É uma campanha voltada para ajudar a comunicação entre médicos e pacientes acerca de tratamentos, procedimentos e testes que, por vezes, não são recomendáveis. Ao reduzir intervenções desnecessárias, não só o paciente deixa de se expor a algo despropositadamente, mas os próprios recursos do serviço de saúde são preservados. “O programa ajuda o médico a pensar qual é o melhor modo de falar com o paciente sobre algumas questões. Por exemplo: o paciente vai reagir bem a este ou àquele teste ou procedimento em particular, ou seria melhor não realizá-lo?”, explica Avery.

Physician Leadership Institute (PLI) – Iniciativa que contempla o desenvolvimento profissional dos médicos, oferece instruções sobre as complexidades da assistência em saúde. Além de ensinarem como melhor interagir com pacientes, “ajuda os médicos a se entenderem, primeiramente” e a assumirem posições de liderança.

Para tornar-se um comunicador melhor é preciso empenho. Além disso, há medidas simples, que podem ser adotadas de forma prática e imediata, para treinar suas habilidades. Abaixo, conselhos de Guilherme Miziara para uma comunicação mais assertiva:

  • Uma dica técnica: Grave-se por três minutos, falando sobre qualquer tema, e depois se analise como público. Ou seja: perceba se, caso fosse leigo, entenderia o que foi falado; analise se a expressão estava adequada, se teve vícios de linguagem ou algo que atrapalhasse o discurso. Mesmo sozinho, é possível ter uma análise, pelo menos preliminar, do que pode ser incômodo.
  • Quanto ao discurso, na hora de falar com o paciente, seja objetivo e trabalhe com dois tipos de argumento: os racionais – números, autores, pesquisas etc. – e os emocionais – metáforas, exemplos, analogias, situações. É importante passar a parte técnica, mas também é primordial exemplificar, fazer uma comparação, para tornar a interpretação mais tranquila.