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Artigo: Livre e responsável na busca do equilíbrio

Por:

Max Grinberg

- 10/01/2020

Embates entre liberdade pessoal, interrupção de objetivos sonhados e não início de atividades de interesse próprio. A causa? A atenção ao profissionalismo dada pelo médico.

Pensamentos nômades sobre delicadas e legítimas exigências de estar médico e de estar cidadão em um único ser humano. Desejo uma bússola.

Embates e pensamentos que fazem parecer insuficientes as 24 horas do dia.

Parece familiar?

Pois é, eu vivencio, você vivencia, eles vivenciam ao longo da carreira dezenas de desafios gerados pelas mudanças constantes dos ventos clínicos da beira do leito e das circunstâncias pessoais.

Sentir-se em equilíbrio – ou não – em meio a expansões e a limitações no âmbito da tríade citada exibe heterogeneidades. É função do caráter, da personalidade e do temperamento de cada médico-cidadão.

Ainda na faculdade, observei uma première da diversidade de foco: a turma da biblioteca, a turma da cerveja e a turma dos que já se dispunham a trabalhar. Cada subgrupo aparentava não entender muito bem as razões dos demais.

Esforços para manter uma ordem entre suas privacidades e o cumprimento ético das obrigações profissionais vão se tornando naturais para a maioria dos médicos. Acostuma-se, soa a maturidade. Todavia, há custos. Inclusive, um alto preço emocional que nem sempre está conscientizado.

Conflitos de interesse mesclam-se a vulnerabilidades situacionais – pessoais, sociais, econômicas, políticas, ambientais – e patogênicas – discriminação, injustiça, opressão. Muitos constroem suas rotas de fuga – lícitas ou ilícitas –, mas ninguém escapa.

Dissonâncias de contentamento entre o ser médico e o ser cidadão acontecem. Invariavelmente, em maior ou menor grau. Como se diz, faz parte da condição humana. Nestas quase cinco décadas de exercício profissional, sedimentei óbvios sobre as dificuldades de se aguentar os trancos. Testemunhei vários colapsos de colegas em molduras variadas. Uma coisa é ser médico cumprindo a Medicina baseada em evidências, outra coisa é ser cidadão impactado pelas convivências.

Cabe a sentença de Leon Tolstoi (1828-1910): “… Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma a sua maneira…”. Ela cai como uma luva, literal e simbolicamente, em relação à harmonia entre privacidades do médico e cumprimento ético das obrigações profissionais.

Por outro lado, a percepção externa do como/onde/quando o médico executa o profissionalismo é influenciada pela época, cultura e organização social. Quando eu entrei na faculdade de Medicina, o Código de Ética então vigente indicava: “É admissível a quebra do segredo profissional para evitar o casamento de portador de defeito físico irremediável ou de moléstia grave e transmissível por contagio ou herança, capaz de por em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência, casos esses suscetíveis de motivar anulação de casamento, e em que o médico esgotará, primeiro, todos os meios idôneos para evitar a quebra do sigilo”. À formatura, a admissibilidade e a velada licença para sequência “não idônea” desapareceram em novo Código.

O Código de Ética Médica é antropocêntrico, com destaque para o paciente. Há uma dezena exata de direitos do médico e dez vezes mais vedações de comportamento diante do paciente. É sabido: quem pretende honrar o exercício da Medicina não pode “afastar-se de suas atividades profissionais, mesmo temporariamente, sem deixar outro médico encarregado do atendimento de seus pacientes internados ou em estado grave” (art. 8)Liberdade pessoal para afastar-se, desde que atento à responsabilidade profissional. Perfeito! Mas exigente da conscientização já à entrada na Faculdade de Medicina. Um pedágio essencial.