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Especial Mentes Revolucionárias da Medicina – Parte 5

Por:

Universo DOC

- 10/01/2020

Dando contunuidade a série de reportagens sobre grandes nomes da Medicina, pensar “fora da caixa” sempre foi característica marcante na personalidade do médico e cientista Miguel Nicolelis. As ideias que, no início da carreira, foram consideradas mirabolantes demais para alguns, tornaram-se os fios condutores do trabalho daquele que é considerado um dos maiores cientistas do mundo.

Miguel Angelo Laporta Nicolelis

A vontade de fazer projetos diferentes já era clara no ensino médio, época em que ele descobriu que sua criatividade gerava ruídos. “As pessoas querem manter o status quo ou fazer coisas muito seguras, mas, desde minha juventude, eu gostava de desafios e projetos que não me davam certeza alguma do que poderia acontecer e com riscos muito grandes”, confessa.

Foto: Juan Cogo

 

As grandes inspirações para a escolha da Medicina e, posteriormente, da Neurociência, foram seu tio, também médico, e as leituras de ficção científica. “Quando adolescente, lembro-me de ter lido um livro sobre o cérebro, de Isaac Asimov. A obra me fascinou muito na época, e meu tio era uma pessoa muito querida, que sempre me apoiou. Acho que esses dois fatores foram muito importantes para minha decisão profissional”, declara. Formando pela Universidade de São Paulo (USP), Nicolelis se considera um sortudo por ter encontrado, na faculdade, mentores que pensavam como ele e estiveram a seu lado, dando-lhe total apoio para que perseguisse suas ideias inovadoras.

Após a graduação em Medicina e o doutorado em Fisiologia Geral na USP, em 1989, o neurocientista deu prosseguimento à carreira fora do país: embarcou para os Estados Unidos, onde fez pós-doutorado em Fisiologia e Biofísica pela Universidade de Hahnemann. Ao terminar o curso, foi contratado como professor pela Universidade Duke, localizada no estado da Carolina do Norte. De lá para cá, são 23 anos de serviço à instituição, somando um total de quase 28 de vivência nos Estados Unidos. O principal desafio, segundo Nicolelis, foi ser aceito pela comunidade científica americana, algo muito difícil na época. “Foi um caminho árduo, que exigiu um esforço grande nos primeiros dez anos, para que eu pudesse estabelecer não só minhas ideias, mas também meu laboratório”, recorda.

O laboratório ao qual se refere é o Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke, que teve início em 1994, com foco no estudo dos problemas relacionados à “fronteira da Neurociência”, como o próprio médico define. O trabalho em busca do desenvolvimento de novas tecnologias que ajudassem na reabilitação motora dos pacientes gerou um novo paradigma para a área, que é, até hoje, a principal linha de pesquisa do cientista: a interface cérebro-máquina. Entre os principais resultados obtidos até o momento está a criação do exoesqueleto – dispositivo externo, pioneiro, capaz de executar ordens de movimento vindas do cérebro e decodificadas por um computador. A junção da Robótica com a Medicina já foi comprovada, com sucesso, por Nicolelis e sua equipe, em testes com primatas e roedores, revelando todo o potencial das neuropróteses e tornando o laboratório conhecido mundo afora.

No Brasil, o trabalho é desenvolvido no Instituto Internacional de Neurociências de Natal – Edmund e Lily Safra (IIN-ELS), localizado na capital do Rio Grande do Norte. O centro de pesquisas concebido e liderado por Nicolelis é uma referência por produzir e disseminar conhecimento científico, não só na Região Nordeste, mas também no Brasil como um todo. Dar valor ao que é feito no país, aliás, é um princípio defendido pelo neurocientista. “Espero que os brasileiros conheçam mais esse tipo de trabalho e saibam dos detalhes científicos envolvidos neles, dando valor ao fato de que isso é produzido aqui no Brasil, com um grau de dificuldade muito maior do que o enfrentado por colegas meus nos Estados Unidos, por exemplo”, declara.

Quando questionado sobre seu cotidiano, Nicolelis é enfático: “A única rotina que tenho é estar continuamente pensando em Neurociência e em qual será o impacto do meu trabalho no futuro da sociedade”. Dividido entre Brasil e Estados Unidos, e com tantos compromissos, o neurocientista ainda consegue tempo para pintar, escrever e acompanhar o Palmeiras, seu time do coração.

O valor da resiliência

“O que a sociedade espera da Medicina é um conforto e uma fonte de sabedoria e humanidade para recuperar a saúde e eliminar seu sofrimento. Cada vez que eu vou a um centro médico e vejo um grupo local fazendo o que eu e minha equipe imaginamos há 20 anos é muito emocionante e me faz pensar que valeu a pena todo o esforço. Sempre falo aos meus alunos que não basta ser só inteligente. É preciso ter persistência para emplacar novas ideias em um meio tão conservador como a Medicina e a Ciência. Se o médico não insistir em suas ideias e dedicar-se, de corpo e alma, para realiza-las, nada acontecerá”, define.

Reportagem por Bruno Bernardino e Paula Netto