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Especial Mentes Revolucionárias da Medicina – Parte 1

Por:

Universo DOC

- 10/01/2020

Nesse especial, dividido em cinco partes, vamos trazer entrevistas de cinco médicos. Cinco histórias distintas, mas um detalhe em comum: todos mudaram o jeito de fazer Medicina. Entre cursinhos pré-vestibulares, noites mal dormidas por causa dos estudos e horas trancafiados em laboratórios e hospitais, esses médicos brasileiros desenvolveram trabalhos que fizeram a diferença na vida da sociedade.

Os cardiologistas José Pedro da Silva e José Carlos Pachón Mateos, por exemplo, reinventaram as formas de realizar cirurgias cardíacas. O neurocirurgião Antônio de Salles e o nefrologista José Osmar Medina Pestana criaram, respectivamente, o marca-passo cerebral capaz de controlar a obesidade e a depressão e o maior centro de transplantes do mundo. Já o médico e neurocientista Miguel Nicolelis escolheu o caminho da pesquisa com foco na integração do cérebro humano com máquinas para a reabilitação de pacientes com quadro de paralisia corporal.

Cada um à sua maneira, esses profissionais demonstram que não escolheram o ofício à toa. Suas contribuições para a saúde da humanidade são reconhecidas mundialmente, tornando-os motivo de orgulho para o Brasil. Confira a primeira entrevista da série!

Antônio Afonso Ferreira de Salles

 

Aos 7 anos de idade, Antônio de Salles escolheu a Medicina – ou foi ela que o escolheu? Formado na Universidade Federal de Goiás (UFG), o médico não teve dúvidas de qual especialidade seguir. O limitado conhecimento existente, até então, sobre o cérebro humano foi a mola que impulsionou sua carreira, levando-o a ser considerado uma das referências da Neurocirurgia não só no Brasil, mas no mundo.

Natural de Curitiba (RS), o neurocirurgião fez seus estudos em Goiânia (GO). Após o término da graduação, uma proposta de pesquisa feita pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) levou-o ao doutorado em Biofísica no Medical College of Virginia, nos Estados Unidos. De lá, o médico seguiu para a Universidade de Harvard, onde se especializou em Cirurgia Estereotáxica e Radiocirurgia. Mudou-se para a Suécia dois anos depois, o que lhe possibilitou realizar um treinamento em Neurocirurgia Funcional. A experiência adquirida com a passagem por esses países rendeu-lhe o convite para ser professor na Universidade da Califórnia (UCLA), em Los Angeles, onde permaneceu por 25 anos. Atualmente aposentado como professor emérito, o médico não esconde o orgulho de ter trabalhado na instituição, em que desenvolveu novos tratamentos para doenças do sistema nervoso.

A volta ao Brasil aconteceu em 2012, com o objetivo de fundar um centro de Neurociências junto ao Hospital do Coração (HCor), em São Paulo. Contando com uma estrutura de ponta, fruto de um planejamento de quatro anos, Salles pôde, efetivamente, trazer ao país as técnicas desenvolvidas durante os 30 anos em que morou fora. A principal delas, o uso de um marca-passo cerebral para o tratamento da obesidade mórbida e depressão severa, posicionando o HCor como um hospital pioneiro nesse tipo de procedimento.

Revolucionário, o marca-passo atua em determinadas partes do cérebro, contribuindo para que ele controle, de maneira adequada, as demais funções do corpo. No tratamento da obesidade, o segredo está no aumento do metabolismo – de maneira similar ao que acontece quando o indivíduo pratica exercícios físicos contínuos –, contribuindo para a perda de peso. Já no caso da depressão, o controle se dá por meio de estímulos elétricos, reduzindo os distúrbios químicos do cérebro provocados pela falta de certos neurotransmissores. Em ambos os casos, o aparelho é implantado por meio de uma cirurgia minimamente invasiva feita na sala de ressonância magnética do HCor.

Outras doenças, como Alzheimer, mal de Parkinson e esclerose lateral amiotrófica (ELA), também são foco dos estudos de Salles. Para o especialista, essas patologias constituem os maiores desafios da especialidade, já que são neurodegenerativas, ou seja, matam as células aos poucos, levando o indivíduo a um definhamento da memória e da parte motora. “Os tratamentos estão avançando, mas ainda falta bastante conhecimento genético para alcançar a cura dessas doenças”, afirma.

Diante de tamanha inovação, as homenagens são mais do que merecidas. Dentre diversos prêmios que ganhou, o médico destaca um ofertado pela Sociedade Mundial de Mapeamento Cerebral, recebido no Canadá, por seu pioneirismo na profissão. Mas nem uma condecoração dessa magnitude é capaz de derrubar sua modéstia. “Os prêmios são passos dentro da carreira e significam um reconhecimento do trabalho. Porém, o que mais me traz felicidade é o agradecimento de cada paciente e cada estudante a quem ensino. Ver a pessoa com depressão severa melhorar com o implante do marca-passo e voltar a trabalhar, a ter um relacionamento melhor com a família, me dá muita alegria. Acredito que esse seja o maior reconhecimento que posso ter como profissional”, declara o médico.

O caminho alternativo que é a escrita

Em meio à rotina agitada, o especialista alimenta outra paixão: a escrita. O neurocirurgião conta que acorda às 5h da manhã e escreve até às 7h, partindo, em seguida, para o hospital. Com oito livros publicados na área de Medicina, Salles revela um desejo: “O que mais gosto de escrever é romance. Então, gostaria de me aposentar e viver disso, escrevendo novelas e romances”.

Para o futuro, o médico tem como plano continuar ensinando os jovens que cursam Neurocirurgia no Brasil, por meio do trabalho desenvolvido no HCor, buscando promover o aprimoramento profissional deles no serviço. Quanto à profissão, de modo geral, Salles é otimista: “Temos bons profissionais, embora a limitação econômica torne o exercício da Medicina mais difícil. Mas ela é um dos maiores suportes que existem para a humanidade. Por isso, temos a obrigação de tentar melhorar sempre o que fazemos, com o desenvolvimento de novas ideias, pesquisas e terapias”.

 

Reportagem de Bruno Bernardino e Paula Netto