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Burocracia na Medicina: o que ela exige no seu consultório?

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Universo DOC

- 10/01/2020

A burocracia, especialmente no Brasil, tem a fama de ser um atraso para o empreendedor. Entretanto, na área médica, mesmo sendo muito presente, muitas vezes a burocracia é necessária, ao trazer credibilidade, segurança e controle de fluxos e documentações. Ao falar em saúde, é importante ter em mente que se lida com o patrimônio mais importante do ser humano.

Nesse contexto, nem sempre devemos encarar a palavra “burocracia” como algo negativo, especialmente no cuidado do paciente, no preenchimento de documentos e na fiscalização dos ambientes de Saúde. O que há, na realidade, é a exigência do cumprimento de regras e normas a serem seguidas para um atendimento humanizado e de qualidade. Ainda que haja, também, aqueles itens que não têm diretamente a ver com o atendimento – tributação, tipos de empresa etc. –, é essencial que o profissional os conheça, tanto ao abrir quanto ao gerir um consultório.

Saiba quais são as documentações e os procedimentos burocráticos com os quais o médico deve lidar em sua rotina, bem como outros pormenores necessários e importantes.

Começando pelo começo

Ao abrir seu consultório, um dos primeiros passos deve ser contratar os serviços de uma empresa de contabilidade ou um contador. Com esse respaldo, é possível pensar, de acordo com os serviços que serão prestados, quantas pessoas farão parte do negócio e de quanto se espera que seja o faturamento. Decida com o contador se você desempenhará suas funções como pessoa física ou jurídica.

No caso de pessoa jurídica, é necessário decidir, também, se a clínica será tributada de acordo com algumas características: se pelo Simples Nacional, lucro presumido ou lucro real. Além disso, o contador poderá auxiliá-lo com a elaboração de um contrato social, bem como com a criação do CNPJ e a inscrição estadual. É importante ressaltar que os profissionais devem estar devidamente registrados nos órgãos de classe. Procure verificar se existem particularidades de seu estado ou cidade – é comum que existam pequenas diferenças na documentação entre os estados.

Vigilância sempre vigilante

Um dos pontos primordiais na empreitada de abrir e manter um consultório é a Vigilância Sanitária, um dos braços da Política Nacional da Vigilância em Saúde. “O objetivo da Vigilância em Saúde, mais especificamente da Vigilância Sanitária, é evitar que os usuários do sistema de Saúde – seja público ou privado – desenvolvam algum agravo à saúde decorrente de condições inadequadas do serviço”, define o diretor-geral da Coordenadoria Geral de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (RS), Anderson Araújo Lima. Trata-se de medida importante não só pelo lado do poder público, mas também dos convênios, que adotam a prática de exigir o alvará de Saúde válido. Como é uma autorização local, o profissional deve estar atento às exigências do seu estado e município.

Apesar da relevância do tema, nem sempre os médicos sabem abordá-lo da forma correta. Para Araújo, é uma dificuldade originada ainda durante os estudos: “Acredito que, se ao longo da formação dos profissionais da área da Saúde, fosse abordada a necessidade do seu licenciamento sanitário, a comunicação entre o poder público e o setor seria mais fácil”. No caso de Porto Alegre (RS), para sanar as dúvidas que surgem no processo, busca-se fornecer o maior número possível de informações, com base nas legislações nacional, estadual e municipal. “Temos um site em que há todas as etapas às quais a instituição – seja um pequeno consultório ou um grande hospital – precisa seguir para o seu regramento”, conta. Em sua experiência, ele afirma que, quando o profissional tem acesso a esse tipo informação, obtém o alvará de forma mais rápida e fácil.

Por fim (ou para começar), o título

Para exercerem as especialidades médicas, em seus consultórios ou em qualquer outro âmbito de assistência, os profissionais precisam estar corretamente habilitados. Atualmente, no Brasil, há duas formas de obtenção do título de especialistas, previstas no decreto 8.516, de 2015: por meio de programas de residência médica credenciados pelo Ministério da Educação (MEC) ou do exame de suficiência realizado pela sociedade da respectiva especialidade, em convênio com a Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Federal de Medicina (CFM).

A resolução do CFM que determinava a revalidação dos títulos de especialistas foi revogada. “Entretanto, ainda que não haja mais a obrigatoriedade de revalidação do título, isso não quer dizer que os médicos não devam permanecer em regular atualização científica. Compete ao profissional aprimorar continuamente seus conhecimentos técnicos-científicos e usar o melhor do progresso científico em prol do paciente”, defende, em resposta à Revista DOC, o Departamento Jurídico da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (Aborl-CCF).

Documentos no dia a dia

Os documentos da rotina de consultório devem ser preenchidos de acordo com a realidade dos fatos, de forma ética e de acordo com a boa prática médica. Segundo o Departamento Jurídico da Aborl-CCF, o prontuário médico em suporte de papel deve ser guardado pelo período de 20 anos, contados do último fato registrado e em local adequado, que mantenha a integridade dos documentos. Já o prontuário eletrônico deve ser guardado para sempre, e de modo que garanta a integridade dos dados.

Em ações movidas pelos pacientes contra médicos, caso o prontuário do paciente esteja bem elaborado, a prova pericial costuma ser favorável ao profissional. Já quando há lacunas de preenchimento ou deficiência de informações, o laudo geralmente favorece o paciente. “Mas a elaboração do prontuário do paciente, apesar de sua importância para o processo, não pode ser vista como sendo a principal finalidade da documentação”, explica o advogado Emerson Eugênio de Lima. Conforme Lima, antes de servir como prova nas ações indenizatórias, a elaboração do prontuário do paciente é uma obrigação e um dever ético, que deve ser cumprido pelo médico, nos termos do artigo 87 do Código de Ética Médica. Também é um direito do paciente, garantido, inclusive, por portaria do Ministério da Saúde.

“(Não) É só um atestado…”

Atestado Médico

O preenchimento de alguns documentos mais específicos é comumente fonte de dúvidas entre os profissionais. Para a maioria dos médicos, ainda que não sejam tão corriqueiros quanto os prontuários, é preciso saber como proceder ao preenchê-los. O atestado de óbito é um exemplo clássico dessa situação.

“O médico deve procurar saber se o cadáver não é produto de morte violenta ou suspeita, porque, nesses casos, deve obrigatoriamente ser encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML). Também é preciso evitar ao máximo colocar a causa da morte como indeterminada, porque, assim, haverá um grande prejuízo no estudo epidemiológico da população”, ensina Carlos André Klojda, professor de Medicina Legal da Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e perito legista aposentado da Polícia Civil do Rio de Janeiro.

Atestados como os de saúde, ainda que sejam documentos considerados mais simples, também devem ser feitos com cuidado. “Os atestados de saúde e de atividade física deverão ser feitos após análise direta pelo médico, e de preferência respaldado por exames complementares”, afirma Klojda.  

“Acredito que, se ao longo da formação dos profissionais da área da Saúde, fosse abordada a necessidade do seu licenciamento sanitário, a comunicação entre o poder público e o setor seria mais fácil”

Anderson Araújo Lima

Consentimento claro e esclarecido

Os termos de consentimento – e os meios de obtê-lo – também geram questionamentos em muitos profissionais. Assim como o preenchimento do prontuário, deixar o paciente corretamente informado é uma obrigação legal e um dever ético atribuído ao médico. “Uma vez que as informações corretas, claras e adequadas foram prestadas e o paciente livremente consentiu, tem-se o fiel respeito à dignidade da pessoa. Nessa hipótese, o paciente pôde fazer a sua escolha de forma esclarecida”, explica Eugênio.

No geral, não é mandatório que o consentimento informado seja realizado por escrito. “Assim, o consentimento livre e esclarecido do paciente pode ser obtido de forma verbal, por exemplo. Somente se a lei estabelecer que o consentimento deva ser por escrito é que não se aceitará o consentimento verbal”, diz o advogado, exemplificando casos em que leis estabelecem a obrigatoriedade de consentimento informado por escrito: a lei 9.263/1996 sobre planejamento familiar e a 9.434/1997, de doação de órgãos. Contudo, em casos de ações judiciais, sem o termo, pode ser mais difícil para o médico provar que o paciente foi adequadamente informado. Portanto, é recomendável a prevenção.

Convênios: um capítulo à parte

As guias e os documentos relacionados aos planos de Saúde merecem atenção especial. Como detalha o advogado Emerson Eugênio de Lima, são meios de aperfeiçoar a relação negocial e financeira entre as operadoras e os médicos ou instituições de Saúde, e, também, têm o “objetivo de criar obstáculos para as glosas, que impactam de forma negativa no fluxo de recebíveis dos profissionais da Saúde”. No entanto, além das questões administrativas, Lima ressalta a importância de abordar questões relacionadas ao sigilo da informação, que fazem parte integrante desse conjunto de documentos. “É de conhecimento comum a todos os profissionais que atuam no setor da Saúde que a informação do paciente é classificada como sigilosa, podendo somente ser divulgada a terceiros por motivo justo, dever legal ou mediante o consentimento expresso e por escrito do próprio paciente”, afirma. A quebra do sigilo profissional é tipificada como crime pelo Código Penal Brasileiro.

É sempre bom lembrar…
 
“A principal função do prontuário não é servir de prova em processo, mas sim possibilitar uma melhor atenção ao paciente, por meio de uma comunicação eficiente entre os membros da equipe. Na hipótese de existir uma ação, o prontuário servirá como a principal prova para afastar a responsabilidade do médico e/ou do hospital, comprovando as condutas corretas adotadas. Ou seja, será um instrumento de defesa”.

Emerson Eugênio de Lima, advogado

Guia resumido do primeiro consultório

Guia resumido do primeiro consultório

Planejar-se é sempre a melhor forma de preparar-se para algo, evitando que surjam imprevistos que fujam do seu controle.

  • Busque conhecer todos os requisitos: um meio seguro de preparar a documentação necessária para abertura de um consultório é buscar um advogado ou outro profissional especializado, para conhecer todos os processos envolvidos.
  • Adapte o negócio: depois de escolher o local onde abrirá seu consultório, esteja atento às reformas e adaptações que deverá fazer no local. Conte com a ajuda de engenheiros e arquitetos para deixar o ambiente de acordo com das normas impostas pelas regulamentações e com a qualidade ideal para os seus pacientes. Vale lembrar que, além da burocracia no atendimento médico, você deve pensar no conforto e na comodidade de quem é atendido (pacientes são, também, clientes). Isso inclui adaptação do espaço para deficientes físicos, como banheiros adaptados e rampas.
  • Tenha um consultor: contrate um profissional para ajudá-lo nas questões legais e burocráticas. Combine um valor mensal e trabalhe com ele em conjunto. Pode ser um advogado, para as questões judiciais, ou um contador, para a administração financeira. Estudar ambas as áreas também é uma opção, caso você queira entender melhor sobre questões burocráticas ou para onde vai o seu dinheiro.
  • Pague todos os impostos: depois que conhecer todas as taxas e encargos, pague-os no prazo. Não permita que existam brechas que possam gerar denúncias ou mesmo a interdição do estabelecimento. A legalização dos funcionários também está envolvida no pagamento de impostos e é uma obrigação de quem contrata.
  • Organize-se: a organização é ponto primordial para lidar com todas as demandas e para melhor conhecimento sobre taxas e custos da clínica ou consultório.

 

Reportagem por Andre Klojda e Bruno Bernardino